terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Matança do Reco

A tradição ainda é o que era


“Por alturas do Natal, começa a matança. Ao romper da manhã, a paz de cada povoado é subitamente alarmada. Um grito esfaqueado irrompe do silêncio. Dias depois desmancha-se a bizarma e um pálio de fumeiro cobre a lareira”Miguel Torga - in “Portugal”, Coimbra 1950
Seis décadas depois De Miguel Torga ter escrito a obra "Portugal" a tradição da matança, sobre a qual paira o cutelo da ASAE, permanece viva em Trás-os-Montes. O ritual é o mesmo em todas as aldeias. Na Capital da Batata só não se mata o reco nas casas de quem não tem forças para fazer o fumeiro. Mesmo com o envelhecimento e a diminuição da população, calcula-se que por esta altura se matem umas quarenta cevas, metade do que era habitual.

O meu vizinho Tó matou ontem dois recos. Outros vizinhos fazem igual, matam dois ou mais. São poucos os que matam apenas um.


“O porco, criado e cevado com desvelos de que gozam poucos humanos, lá está a sangrar no banco do sacrifício. Berra que espanta a penumbra da madrugada, mas o seu sofrimento não encontra eco nos ouvidos de ninguém. Quanto mais barulhenta for a agonia, mais escoado ficará o seu corpo no chambaril."
Miguel Torga

Quando cheguei para assistir à matança já o primeiro porco estava a cuincar, ferido no coração pela faca certeira do matador.



Os dois bácoros, depois de mortos, foram levados de tractor para - junto da casa do Tó - serem chamuscados, lavados e abertos a fim de se lhes tirarem as entranhas.



Comprados na Galiza em Setembro, já capados, pesam, cada um, à volta de 130 kg. Durante a engorda foram alimentados com couves, batatas e abóboras. Bem feitas as contas fica cara a alimentação das cevas. O que vale é as pessoas terem hortas!



Chamuscando com maçaricoPara chamuscar o porco - queima dos pelos e da fina camada de pele sobre o couro - usa-se uma botija de gás e um maçarico em vez da tradicional palha de centeio. Como nas ceifas se enfarda logo a palha esta já nem existe e o uso do maçarico torna a tarefa de chamuscar mais fácil e rápida.



Desde criança que não via uma matança do reco. Causou-me, por isso, alguma estranheza, ver a pele do animal ser raspada com enxada.



Mas a raspagem com a enxada tem vantagens. Como o fogo é intenso, o cabo comprido salvaguarda de eventuais queimaduras quem tem que raspar a pele antes que o couro arrefeça.


































"Impressionou-me sempre na vida aldeã este cerimonial doméstico, que acaba por deixar um morto de pernas para o ar, pendurado na trave da casa. Na manjedoira vai nascer o Salvador; à lareira vai-se juntar a família; e à entrada da porta simbólica renovação do Ano Novo, o espantalho do cadáver que há-de alimentar o futuro!”
Miguel Torga


O goberno da casa
A carne de porco é o alimento de todo o ano.




Lavar e tirar excesso de sangue
As carnes de órgãos vitais são consumidas de imediato. O fígado pode ser assado no espeto e temperado com azeite; pode ser estofado no tacho e frito, em iscas. O coração come-se cozido ou frito. Do bofe fazem-se as bocheiras.



Enxugar
O desmanche do porco, para dar tempo do sangue escorrer, a carne arrefecer e enrijar com o frio, ficou para hoje, um dia depois da matança. No desmanche separam-se as carnes para o fumeiro, daqui a uma semana. Os presuntos e as orelhas vão para a salgadeira durante vinte dias, embora haja quem os ponha na arca frigorífica.

5 comentários:

Paulo Ferreira disse...

Olá sr. A. P. Fotos bem ilustrativas do que é a matança do porco. Ainda se vai fazendo esta tradição,é pena que por uma ou outra razão esta venha a acabar .
No meu tempo de criança, o dia da matança do porco era 1 dia cheio de trabalho, mas também 1 dia cheio de alegria e alguma festa. Era bons tempos...

PEREYRA disse...

Senhor Paulo Ferreira,
Pelo que tenho visto em Travancas e do conhecimento que tenho sobre a tradição da matança do porco, não me parece que esteja para breve o seu fim.
A maior ameaça a esta tradição é o Estado modernista que, a pretexto de defesa da saúde dos consumidores, combate a produção doméstica, sem ter em conta a força da tradição e a identidade cultural das comunidades rurais.
Será que não se deve conciliar o combate à economia paralela com a preservação da tradição da matança do reco?
O senhor,como eu, somos deste tempo! Como o trabalho é muito, os amigos e vizinhos ajudam-se e reforçam relações de solidariedade. Há convívio e alegria no trabalho!

Anónimo disse...

tenho visto com um maximo de interesse o seu blog ;a coisa mais horrivel que vi ate hoje é o sofrimento do animal;a matança devia ser interdita

PEREYRA disse...

Caro leitor anónimo,
Não considero que matar um animal seja um ato bábaro! Cresci a ver matar galinhas, coelhos, porcos, cordeiros e cabritos e, na sequência disso, ser servido com suculentas refeições. Vejo a matança do porco como um ato de sobrevivência do homem, assim como o são a caça, a pesca e a matança de outros animais. Na vizinha Galiza já se usam pistolas para matá-lo. É provável que o seu uso seja introduzido do lado de cá da raia nos próximos anos e isso venha acalmar as pessoas mais sensíveis aos berros dos animais.
A matança do porco é também um ato cultural, de entre-ajuda, de reforço de laços de vizinhança e de festa na qual participam familiares, amigos e vizinhos. É sinónimo de abundância. Por alguma razão se dizia que o reco é "o goberno da casa" para o ano inteiro!

Anónimo disse...

euroluso ,eu gostaria de te matar lentamente,pra ti sentir o que os
porcos sentem,talvez tu não se importe de ser morto cruelmente,já
que não considera bárbaro matar
animais,né?