sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Doçuras de Outono

Que rica marmelada!

Por estes dias de outono as senhoras de Travancas  andam atarefadas a fazer compotas, doce de abóbora e marmelada. O saber fazer doces é uma técnica que transmitem umas às outras e aperfeiçoam ano após ano.


Uma delas, a dona Juraci, cozinha muito bem. Das suas mãos saem saborosos folares e fumeiro.  Hoje trouxe cá a casa estes bonitos marmelos e uma marmelada feita por ela. Não resisti à gulodice e cometi o pecado mortal de comer logo uma fatia com pão. Soube-me tão bem!



À sobremesa do almoço repeti a dose mas em vez de pão comi a marmelada com queijo, como é habitual em Trás-os-Montes.



De tarde...  bom, de tarde ajudei a minha mulher a cortar os marmelos oferecidos pela nossa vizinha. Sendo rijos não é fácil cortá-los mas, a dois, foi rápido.
Como se faz a marmelada? Ficou-me no ouvido que se põe a mesma quantidade de açúcar e de marmelo e, para a cozedura ser mais rápida, se passa a fruta na varinha mágica.



A marmelada caseira ficou com esta cor. Quando perguntei  porque razão não ficou amarela como a da dona Juraci, a explicação que a minha mulher me deu é que pôs água a mais, levando, por isso, mais tempo a evaporar. Mas deve estar saborosa, com certeza!



A minha mãe também punha a marmelada em malgas e, tapadas com um papel, guardava-as numa tábua pendurada no teto da sala para os ratos não chegarem lá.

Certa vez, porém, descobriu que numa das malgas, por baixo do papel, não havia marmelada porque o "rato" do meu irmão, descobriu-se depois, tinha feito das dele.



Flor de marmeleiro




 A minha mulher guardou três dos marmelos. No dia seguinte,  cortou-os ao meio e levou-os a assar no forno. Antes, cobriu-os com açúcar e embebeu a cova da polpa com moscatel de Favaios. 


Mmmnh... mmmnh!!!  Que doçura de sobremesa ao almoço!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O meu pé de girassol



Habituado  a ver  girassóis em certos quintais  de Travancas e achando que a planta florida era um bonito elemento decorativo exterior da casa, semeei algumas a título experimental.  Germinou uma, que só se desenvolveu e floriu, quando comecei a regá-la com regularidade.






Van Gogh,  pintor holandês que aprecio,  é o autor de várias versões do quadro  Jarra de Girassóis, reproduzido  por jovens e talentosos pintores. Como não me passa pela cabeça de sonhar possuir um original, há anos atrás, numa rua de São Petersburgo, quis comprar uma bonita reprodução.  O negócio não se concretizou, porque quando voltei atrás para comprá-lo pelo preço que inicialmente recusara, o pintor pediu um valor mais elevado.





Desconhecedor da estrutura da planta de girassol, não estranhei ver o caule ramificar-se e na extremidade de cada ramo brotar uma flor amarela que, aberta, atingia um grande diâmetro. Só quando notei que as pétalas eram diferentes e que no centro da corola não se viam sementes acastanhadas, é que me interroguei se seria mesmo um girassol. Como não há nada que uma pesquisa na internet não esclareça, fui ao Google.



Embora diferente da variedade que há em quintais de Travancas - uniflor com haste única e uma flor terminal, a minha planta é também um girassol  - Helianthus annuus - dobrado, multiflor. Penso que a semente, da qual se extrai óleo de girassol, é utilizada, na aldeia, na alimentação de gado e de pássaros em cativeiro.


Há lendas que associam o girassol com fama, riqueza e sorte. Bem jeito dava, se não dava!


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A República longe daqui

O centenário, visto da aldeia
Travancas da Raia, 5 de Outubro de 2010



Tencionava assistir em Lisboa, no dia 5 de outubro de 2010, às comemorações do centenário da implantação da República.

Contudo, a intempérie do último domingo, impedindo-me de viajar nesse dia, em segurança, trocou-me as voltas e só me fui embora com a bonança, depois de reparados estragos causados  pelo violento temporal.



Durante todo o dia, chuva intensa inundou lojas e rajadas de vento  partiram ramos de castanheiros. Algumas casas, incluindo o Café Central, ficaram sem energia elétrica desde a tarde de domingo até segunda-feira à hora do almoço.



Na noite de espera, à lareira, sem luz, televisão e internet, senti-me recuar ao tempo em que as casas eram iluminadas à luz da candeia.




Quem não se recorda? Foi há pouco mais de trinta anos que o regime republicano, finalmente,  se lembrou de trazer a energia elétrica a este rincão da raia transmontana!

Heroe de Chaves


No litoral há piquetes de urgência, mesmo ao domingo. Em Travancas, a EDP, para reparar a avaria numa linha, esperou por abrir as portas na segunda-feira, para então mandar um técnico à montanha, fazer a reparação.





O feriado passa ao lado da população. Vive-se noutro mundo, não se para de trabalhar. A efeméride é como se não existisse, faz-se o mesmo de todos os dias, ao ritmo das estações do ano. Lavra-se, corta-se lenha, apanham-se as nozes... Há ouriços caídos no chão mas o tempo das castanhas ainda não começou.



Nos linhares, as cabaças amarelas - na Terra de Ledra chamam-se botelhas - gozam na terra os últimos raios de sol quente.




Lavam-se as pipas. No lagar faz-se vinho com uvas compradas em Curral de Vacas e noutras terras menos frias.



Há videiras,  mas não há vinhas e não se   fazem vindimas, presumo eu, porque as uvas, como as da latada do senhor Hermínio, para cima de 200 kg, apodrecem com as chuvas de outono, antes de amadurarem completamente.




Em direto, através da televisão, sabe-se que em Lisboa os políticos, com ar grave e solene, festejam a data, em que há cem anos, o Partido Republicano, carbonários e maçons  depuseram o monarca,  substituindo-o na chefia do estado  por um presidente, eleito pelos deputados.


A República parlamentar soçobrou ao fim de 16 anos conturbados, período durante o qual o país teve oito presidentes e 45 governos. Nesse tempo, distante da globalização do mundo atual, as mudanças mal chegavam a ser conhecidas nas terras do interior.




Nas veias das gentes da raia não corre sangue azul. Sem a celebridade dos Defensores de Chaves,  na luta contra os monárquicos trauliteiros...



...republicanos anónimos, consagram a data da implantação da República na toponímia da aldeia, dando  o nome de Rua 5 de Outubro, a uma das artérias da terra.



Contudo não se deitaram foguetes pelo centenário  da instauração do regime republicano, nem a bandeira nacional foi hasteada no mastro da sede da Junta de Freguesia.



Aliás, pensando bem, comemorar o quê? Dar vivas à República que substituiu el-rei por um presidente não eleito pelo povo e proibiu mulheres e analfabetos de votarem na eleição dos deputados?

Há cem anos não havia escolas na freguesia e a Primeira  República - de 1910 a 1926 - manteve a população analfabeta.

Só na década de quarenta do século  XX, na ditadura de Salazar, - Segunda República - é que, a expensas da população, foi construído um edifício onde a Dona Lúcia Quadra  dava aulas, da primeira à quarta classe, numa mesma sala, a mais de quarenta crianças de Argemil, Travancas e São Cornélio.



Essa escola, situada no terreno onde está a Junta de Freguesia, terá sido demolida, pelos meus cálculos, por alturas do 25 de Abril de 1974, ao mesmo tempo em que foram construídas novas escolas primárias em Argemil e na sede da freguesia, em terreno comprado pelo povo. Os alunos de São Cornélio foram encaminhados para a Escola Básica da freguesia de  Mairos.



Com a emigração, o êxodo rural e o decréscimo da natalidade, a escola nova de Travancas  foi encerrada, pela República democrática, há uns anos atrás, passando os alunos, desde então, a frequentar a escola primária de Argemil. Com o encerramento desta, por sua vez, em outubro de 2009, a freguesia voltou a ficar sem qualquer escola, como há mais de cem anos, no tempo da monarquia constitucional. 



Entretanto, as instalações escolares, património da res publica - coisa do povo - degradam-se, votadas ao abandono*.


*Posteriormente, depois de publicada a postagem, encontrei no blogue Travancas***Freguesia ,  informação complementar sobre a construção das escolas de Travancas. Dele transcrevo excertos que reforçam a tese de que em cem anos a República pouco fez  pela educação na aldeia.


"No local onde existe hoje a Sede da Junta de Freguesia foi construído o primeiro edifício da escola Primária a expensas da população.

Para o efeito, procedeu-se à divisão dos terrenos comunitários no Vale Grande em parcelas com aproximadamente ½ hectare em que cada vizinho pagou a importância de 50$00 este facto passou-se no ano de 1940/41 e foi à altura, a primeira Professora a Dª Lúcia Quadra ( Dª LUCINHA) natural da aldeia de HIDRAL concelho de VINHAIS.

O terreno onde existe a actual escola primária e o centro de saúde foram adquiridos pela população ao Senhor AUGUSTO TRINTA pelo valor de" 
Fonte: José António Maldonado in http://tasmontestravancas.blogspot.com/