quinta-feira, 1 de maio de 2014

Emigrante na reforma

Reencontro em Argemil

Este senhor, tio do Amaral, chama-se Artur. Vive em Argemil, reformado por invalidez. Em França, para onde emigrou em 1970, trabalhou trinta anos. Foi lá que o conheci,  numa empresa de transporte de mercadorias, onde eu trabalhava umas horas, para juntar aos francos da bolsa  de estudos que o governo francês me concedia.



Era um homem reservado, pouco conversador, ao contrário de outros portugueses que trabalhavam "chez Malissard". Passados estes anos todos, vi-o na igreja de São Miguel Arcanjo, na missa de corpo presente do António pastor. Não me reconheceu mas confirmou ter trabalhado como "rouleur" na empresa onde eu, por saber falar e escrever em francês, fazia a conferência dos "bordereaux".



No dia 25 de Abril de 2014, fui a sua casa, no fundo do povo, 40 anos depois de nos termos conhecido. Enquanto me recordo de ter sido o Ribeiro - amigo até hoje - a  dar-me a notícia da Revolução em Lisboa, liderada pelo general Spínola, o senhor Artur não tem qualquer memória do dia 25 de Abril de 1974.



A ida a sua casa, para beber um copo, já estava apalavrada, desde o verão passado. Encontrei-o sozinho, à lareira, com um borralho de fazer inveja.



Sentado no escano, acedeu falar de si.  Antes de ir para França esteve quatro anos em Espanha, perto da fronteira com Melgaço. Na época, embora casado, as contingências da vida levaram-no a deixar a mulher em Argemil e partir, como tantos outros raianos, para franças e araganças. "Primeiro habitei em barracas do patrão", na região de Paris.




Desde que se reformou, por problemas no pé, reparte o seu tempo entre Argemil e França. Vem para a aldeia, "porque é a terra de cada um". No verão, costuma ir ao café, para conviver com os amigos. Em França, mora num apartamento,  com um dos filhos do segundo casamento. Ao todo tem cinco  e vários netos, espalhados por Setubal, França e Itália.



Vinho, chouriço e pão, à boa maneira da hospitalidade tansmontana.


"Agora vou mostrar-lhe a minha fazenda". E mostrou, não apenas o linhar anexo à casa como, graças a ele, aprendi que a deliciosa expressão "fazenda", levada pelos colonizadores para o Brasil e caída em desuso no Portuigal moderno, se mantém preservada no nosso Trás-os-Montes profundo.



Diz-me que "aqui é melhor que em França: os ares, a comida..." e que "aqui tenho tudo: batata, feijão, couves, verdura..." Todavia, em França estão os familiares que não voltam para a terra dos pais...



Senhor Artur, uma vida feita de partidas e regressos, igual à de tantos emigrantes.



1 comentário:

Armando Sena disse...

Todos procuramos o nosso ideal ou tão só a sobrevivência. Ás vezes encontramo-la onde nunca devíamos ter saído, em casa.
Um abraço.