domingo, 29 de novembro de 2015

Já há grelos!

                         Nos linhares e na cozinha


Com alheira ou bacalhau 
Bem amargos e verdinhos 
Bela batata e azeite
Sabem tão bem os grelinhos!
                                               
                                                 Mariana

 
Eles aí estão, os nabos temporões! Semeados em agosto,  desde há duas semanas que estão a ser colhidos, para regalo da gente raiota.


Enviados por familiares, emigrantes em França e nas cidades do litoral de Portugal também os saboreiam, matando saudades à gastronomia da terra.


Grelos, sinal de inverno à porta.


domingo, 22 de novembro de 2015

Contrabando de porcos

Memória de sentença injusta


"Na noite de 4 de setembro de 1941, por volta da meia noite, a aldeia de Argemil da Raia, freguesia de Travancas, concelho de Chaves, foi palco de um escandaloso, violento e vil assalto à mão armada, perpetrado por dois elementos da Guarda-Fiscal do Posto de Travancas, concelho de Chaves".
  


(...) "fardados e bem armados, assaltaram a casa de meus pais, modestos agricultores, roubando pela força das armas, doze porcos (grandes e pequenos)".





É assim que Manuel Teixeira Batista, no livro Sentença Iníqua, escrito em 2011, inicia a  narração de "uma história triste e repugnante - mas verdadeira" relativa a acontecimentos, presenciados quando tinha 8 anos e que envolveram  o seu pai,  condenado em tribunal por contrabandear recos, de Portugal para Espanha.

 
Argemil, "nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX era constituída, quase na totalidade, por um aglomerado de casas de granito envelhecido, de rés-do-chão e primeiro andar, casas que não proporcionavam  o conforto desejável aos seus habitantes, sobretudo nos rigorosos frios  de inverno"



"No Fundo do Povo havia duas casas cobertas de colmo, que as tornava mais quentes no inverno, Todavia o perigo de incêndio era grande. Aquando do ciclone de 15 de fevereiro de 1941, a forte ventania levou-lhes a cobertura..."


Há moradores que ainda se recordam dos fatos ocorridos há 74 anos.
Outros, mais jovens, conhecem a história e, sem questionar se os porcos iam ou não ilegalmente para Espanha, condenam o  procedimento dos dois guardas-fiscais: por invadirem o domicilio, durante a noite, sem mandato judicial...



 ...por mentiram, acusando o senhor Magno Batista de, ao cair da noite, no lugar de Cavancas, a 3 km de Argemil, se ter posto em fuga, dos guarda-fiscais, quando estaria prestes a passar, sem guia, para Espanha, três recos e nove  bácoros.



Altas horas da noite os guardas bateram à porta de Magno Batista, para que entregasse os recos. Escapou pelas traseiras, de nada lhe tendo valido ter tocado o sino da capela, a 100 metros de casa, para pedir aos vizinhos que acudissem, que lhe assaltavam a casa.


Com o repicar do sino e o latido dos cães, o Júlio e outros vizinhos acordam. A senhora Matilde, moradora na casa ao lado da capela, da sua janela vê os guardas-fiscais a levar os recos para o quartel. Temerosos, os vizinhos não se atrevem a opor-se aos guardas.




Foi por esta porta que os dois guardas-fiscais tocaram os porcos para  o quartel da Fonte Fria, demolido antes da construção do quartel novo de Travancas.                    

O senhor Magno não dormiu nessa noite. De manhã, montado na égua, saiu directo à fonte do Fundo do Povo, para contratar em Chaves  um advogado, com o objectivo de apresentar queixa contra os dois guardas-fiscais.  

 
Seguiu em direção à capela do Senhor dos Aflitos, onde rogou ao Senhor que o amparasse. De lá, evitando passar por Travancas e pelo quartel, foi para Chaves pelo caminho de São Cornélio e Curral de Vacas.


De nada lhe valeu a apresentação de queixa. De nada valeram os depoimentos das testemunhas. O tribunal, numa sentença iníqua, deu-o como culpado, obrigando-o ao pagamento de custas judiciais elevadas, para as quais teve de contrair empréstimo.



A casa do senhor Magno, tal como a dos vizinhos, está desabitada. É pena, uma casa típica  da nossa ruralidade, com valor histórico excepcional, não estar salvaguardada da ameaça de ruína. 


Não há familiares beneméritos que a ofereçam à aldeia, para nela ser instalado um Museu do Contrabando? Um cineasta poderia pegar no guião do "bárbaro assalto" dos recos, para fazer um excelente documentário sobre a Rota do Contrabando de Travancas! Com a preservação do património edificado, todos ganhariam: a freguesia e a família do senhor Magno.




sábado, 21 de novembro de 2015

Maré de soutos novos

Plantação de castanheiros, aos milhares 

A azáfama na plantação de soutos em Roriz, Argemil, São Cornélio e Travancas vai de vento em popa, e o bom tempo tem dado uma ajuda na plantação.


No planalto da Capital da Batata, a reconversão de campos de centeio e de batata em soutos, vem-se fazendo desde  há anos. O processo parece imparável!



Até à entrada de Portugal na CEE, agora União Europeia, as culturas do Planalto de Travancas, destinadas ao mercado, eram o centeio e a batata. A abertura à concorrência estrangeira  arrasou porém a produção local, deixando de ser rentável produzir batata e centeio.


Até onde irá a especialização na monocultura da castanha?  Não será demasiado arriscado ter o rendimento futuro dependente de um único produto?




E porque não diversificar e apostar também na cultura da avelã, um fruto seco, como a castanha?





quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Outonalidades raianas

                            Como não ficar encantado!

 Souto de Roriz

Um elixir para o espírito! Depois da apanha das castanhas, os castanheiros ganham tonalidades em que predominam os amarelos e os castanhos torrados. O chão, coberto de um manto de folhas mortas, fica esplendoroso, tanto sob as primeiras névoas como estando iluminado pela luz suave dos raios solares de outono.


Bairro das Poulinhas, Argemil, iluminado pelas cores do outono. Ao alto, do lado de trás do posto de vigia florestal, passa a raia, junto à qual estão as casas esborralhadas de Palheiros, marco da memória  raiana perdido num giestal.


Bucolismo. O senhor José, pastor de Roriz,  ao rebusco das castanhas, no lugar de Montouto, autorizado depois do Dia de São Martinho.


Pastores da raia - Dadim


Guardadores de rebanhos, os pastores, nem sempre reconhecidos no seu devido valor, são a imagem simbólica do Bom Pastor bíblico. São criaturas divinas!


Nas Guerras da Restauração, entre 1640 e 1668, desenrolaram-se  algumas escaramuças fronteiriças que redundaram em saques, destruição de culturas e casas incendiadas, em ambos os lados da raia galaico-transmontana.


 Travancas

Ficou para a história que, numa dessas escaramuças, nos campos de Montouto, os portugueses, na perseguição aos espanhóis, em debandada, lhes limparam o sebo no alto da Cota de Mairos, tendo o lugar, desde então,  passado a ser conhecido, por Alto da Escocha.



Boleto ou tortulho - variedade de cogumelo bastante procurada pelos apreciadores e rentável para quem os anda a apanhar.


Habitante de Argemil, aos níscarros,  em souto de Roriz.


São Vicente da Raia


 Alto do Montouto


Travancas. Uma águia no poste?


A barragem do Vale das Tábuas, entre São Cornélio e Mairos, com cores outonais, graças aos carvalhos americanos, plátanos e outras árvores de jardim que a  bordejam.


Os dióspiros maduros são amarelos; a casa é cor-de-rosa, até parece um palácio, mas São Cornélio fica tão longe de Belém!


Tapete de folhas caducas no souto de São Cornélio. Caminhar por ele é caminhar em harmonia com a  natureza. Nessa alquimia, de transformação das forças telúricas em nós, uma sensação de bem-estar físico, mental e espiritual nos invade, vitalizando-nos de energia cósmica.



Amanita muscaria - cogumelo venenoso, de cor garrida. Encontra-se com facilidade!



Outra imagem do souto de São Cornélio cujos castanheiros se destinam à produção de madeira.


São Cornélio não tem tanta produção de castanha como Roriz, Argemil e Travancas mas acompanha a maré em curso, de plantação de novos soutos nas terras da raia.


Como não ficar encantado com as outonalidades raianas!



terça-feira, 10 de novembro de 2015

O Lar dos Tenreiros

Uma casa com História

Bonita carranca na casa pertencente aos descendentes de Ângelo Tenreiro, professor em Mairos, nos finais do século XIX, natural de Argemil e filho do vigário da paróquia de Travancas.


 Domus da família Tenreiro há várias gerações

A porta carral, encimada pela cruz, não engana. Estamos diante de uma casa de lavrador abastado, propriedade de um eclesiástico. Embora na padieira de granito não conste o ano, trata-se de uma casa construída há mais de dois séculos, entre o final do século XVIII e o princípio do século XIX.


Segundo o erudito Abade de Baçal, deve ter sido mandada construir pelo vigário da Paróquia de Travancas, Padre Domingos Manuel Alves da Rocha Raposo Tenreiro, pai de Ângelo Tenreiro, professor em Mairos.



Ângelo Augusto Tenreiro, pai dos atuais herdeiros, jaz no cemitério de Travancas
N 23-09-1922
F 23-07-1994


Dona Francina, além de viúva e mãe, faz parte da direção do Lar do Senhor dos Aflitos, instituição de apoio a idosos. 


A casa dos Tenreiros fica lá no fundo do povo, no Bairro do Canto, onde, próximo à Ribeira do Real, se encontram lameiros de erva tenra e alguns dos mais férteis linhares de Argemil da Raia.



Ir até ao fundo do povo é mergulhar na história de uma isolada aldeia de montanha e imaginá-la, até há 50 anos atrás, sem ruas empedradas, privada de automóveis, eletricidadde, telefone, iluminação pública,  recuperadores nas lareiras, casas de banho, água quente canalizada, fogão a gás, máquinas de lavar roupa, frigoríficos e televisores! No último meio século houve mais transformações, em profundidade e variedade, que em todas as outras épocas!


É recuar no tempo e imaginar Argemil na Idade Média, com casebres de telhados colmados e habitada por cabaneiros que se vestiam com roupa de burel e alimentavam à base de pão centeio e castanhas.

Até há poucos séculos os serranos desconheciam o milho,  o arroz, a laranja e a banana. A batata, trazida do Peru para a Europa pelos castelhanos, só começou a ser cultivada em Trás-os-Montes no início do século XIX.




Apesar do coração ficar dorido com a visão de tantas casas em ruínas e desabitadas, ninguém imagina o bem-estar físico e espiritual que sinto sempre que me embrenho pelo núcleo histórico de Argemil.

O património arquitectónico, quase intacto, acalenta a esperança de que o casario venha a ser restaurado no futuro, por mecenas, por novos habitantes ou por descendentes de emigrantes, regressados às raízes.  



O Herdeiro 

Chama-se Aníbal, como o célebre estratega cartaginês que combateu os Romanos nas Guerras Púnicas. No entanto, a guerra de Aníbal Tenreiro é outra; passa por restaurar e preservar o património de uma família de gerações de lavradores  cuja linhagem conhecida remonta à época dos déspotas iluminados.


A diáspora também não poupou os Tenreiros. Um deles, de um ramo emigrado para o Brasil, em 2010 deixou um comentário no blogue: "Meu nome é Angelo Maldonado Tenreiro, nasci em Travancas, com 14 anos fui para Angola e há 35 anos estou no Brasil". Será parente dos Tenreiros de Argemil? Clicar aqui para ver o  comentário completo.



O senhor Aníbal é um homem de compleição robusta, habituado ao trabalho do campo. Apesar da sua natureza reservada,  dá a conhecer o pátio interior, já alterado, da centenária casa rural...


...onde também vive a mãe.



Casa dos Tenreiros, casa com história...
...onde, como noutras  casas da raia, foragidos da guerra civil espanhola  terão ficado escondidos. Em 6 de janeiro de 1945, a casa, então pertença de Américo Tenreiro, e a de Manuel Aguieiras, foram revistadas por um pelotão de mais de vinte elementos do exército e da guarda-fiscal, fortemente armados, à procura de democratas espanhóis que fugiam aos fuzilamentos fascistas, às ordens do general Francisco Franco.



Casa dos Tenreiros... uma casa bem transmontana.




Preciosidades dignas de figurarem  num museu etnográfico das aldeias de montanha.



Bela carranca de  granito para, presumidamente, na sua origem, ter a função de bica.



O espaço onde a carranca se encontra, inapropriado para a função de bica, sugere que terá vindo de outro lugar qualquer e que terá sido encaixada na parede com finalidade decorativa. 




Substituídos por tratores, desapareceram os carros puxados por juntas de bois. Quem não recorda com saudade a melodiosa chiadeira que faziam pelas ruas de Argemil? Um dos últimos desses carros de bois é guardado pelos Tenreiros com o zelo que os crentes devotam a uma relíquia.




Casas do Bairro do  Canto e domínios dos Tenreiros. Quem resiste a tamanha beleza?