domingo, 22 de novembro de 2015

Contrabando de porcos

Memória de sentença injusta


"Na noite de 4 de setembro de 1941, por volta da meia noite, a aldeia de Argemil da Raia, freguesia de Travancas, concelho de Chaves, foi palco de um escandaloso, violento e vil assalto à mão armada, perpetrado por dois elementos da Guarda-Fiscal do Posto de Travancas, concelho de Chaves".
  


(...) "fardados e bem armados, assaltaram a casa de meus pais, modestos agricultores, roubando pela força das armas, doze porcos (grandes e pequenos)".





É assim que Manuel Teixeira Batista, no livro Sentença Iníqua, escrito em 2011, inicia a  narração de "uma história triste e repugnante - mas verdadeira" relativa a acontecimentos, presenciados quando tinha 8 anos e que envolveram  o seu pai,  condenado em tribunal por contrabandear recos, de Portugal para Espanha.

 
Argemil, "nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX era constituída, quase na totalidade, por um aglomerado de casas de granito envelhecido, de rés-do-chão e primeiro andar, casas que não proporcionavam  o conforto desejável aos seus habitantes, sobretudo nos rigorosos frios  de inverno"



"No Fundo do Povo havia duas casas cobertas de colmo, que as tornava mais quentes no inverno, Todavia o perigo de incêndio era grande. Aquando do ciclone de 15 de fevereiro de 1941, a forte ventania levou-lhes a cobertura..."


Há moradores que ainda se recordam dos fatos ocorridos há 74 anos.
Outros, mais jovens, conhecem a história e, sem questionar se os porcos iam ou não ilegalmente para Espanha, condenam o  procedimento dos dois guardas-fiscais: por invadirem o domicilio, durante a noite, sem mandato judicial...



 ...por mentiram, acusando o senhor Magno Batista de, ao cair da noite, no lugar de Cavancas, a 3 km de Argemil, se ter posto em fuga, dos guarda-fiscais, quando estaria prestes a passar, sem guia, para Espanha, três recos e nove  bácoros.



Altas horas da noite os guardas bateram à porta de Magno Batista, para que entregasse os recos. Escapou pelas traseiras, de nada lhe tendo valido ter tocado o sino da capela, a 100 metros de casa, para pedir aos vizinhos que acudissem, que lhe assaltavam a casa.


Com o repicar do sino e o latido dos cães, o Júlio e outros vizinhos acordam. A senhora Matilde, moradora na casa ao lado da capela, da sua janela vê os guardas-fiscais a levar os recos para o quartel. Temerosos, os vizinhos não se atrevem a opor-se aos guardas.




Foi por esta porta que os dois guardas-fiscais tocaram os porcos para  o quartel da Fonte Fria, demolido antes da construção do quartel novo de Travancas.                    

O senhor Magno não dormiu nessa noite. De manhã, montado na égua, saiu directo à fonte do Fundo do Povo, para contratar em Chaves  um advogado, com o objectivo de apresentar queixa contra os dois guardas-fiscais.  

 
Seguiu em direção à capela do Senhor dos Aflitos, onde rogou ao Senhor que o amparasse. De lá, evitando passar por Travancas e pelo quartel, foi para Chaves pelo caminho de São Cornélio e Curral de Vacas.


De nada lhe valeu a apresentação de queixa. De nada valeram os depoimentos das testemunhas. O tribunal, numa sentença iníqua, deu-o como culpado, obrigando-o ao pagamento de custas judiciais elevadas, para as quais teve de contrair empréstimo.



A casa do senhor Magno, tal como a dos vizinhos, está desabitada. É pena, uma casa típica  da nossa ruralidade, com valor histórico excepcional, não estar salvaguardada da ameaça de ruína. 


Não há familiares beneméritos que a ofereçam à aldeia, para nela ser instalado um Museu do Contrabando? Um cineasta poderia pegar no guião do "bárbaro assalto" dos recos, para fazer um excelente documentário sobre a Rota do Contrabando de Travancas! Com a preservação do património edificado, todos ganhariam: a freguesia e a família do senhor Magno.




1 comentário:

Armando Sena disse...

É bom que não se perca a memória, pois dela provimos e nela nos tornmamos.
Foi também essa, uma das minhas intenções, quando escrevi o livro, "Na demanda do ideal".

Abraço,
Armando Sena