quarta-feira, 2 de junho de 2010

Casa do Sargento Deitada Abaixo

E tudo o buldozer arrasou...


Eram sete rapazes...
...os filhos do sargento Edmundo, guarda-fiscal, casado com dona Marquinhas Maldonado. A pensar neles, construiu a casa, com pedra acarretada do Vale Grande, em carros puxados por juntas de bois.



Esteve muitos anos deslocado em Vilar de Perdizes, a mulher é que tratava dos filhos. O Honorato, guarda-fiscal como o pai, foi para o Porto. Outros emigraram para o Brasil e não voltaram. O único que ficou por Travancas, o Mundinho, apareceu morto num rego da água há uns anos.



A casa, na realidade eram duas, em propianho, situada ao lado da igreja, era das mais sólidas e bonitas casas de granito da aldeia. Habituado a ver a sua bela silhueta na colina, onde se destacava a grande e envidraçada varanda de ferro forjado, vou estranhar a perda deste valioso património edificado.



Desabitada desde a morte do Mundinho, sem reparação do telhado, degradou-se de tal modo que a sua morte há muito parecia anunciada. Posta à venda por vinte mil euros, pelo Sílvio, filho do Honorato, ninguém a comprou, acabando por ser vendida à Junta de Freguesia pelo preço simbólico de cinco mil euros, com o compromisso de no terreno se fazer um parque de estacionamento.



Os sinos não tocaram a rebate
Há edifícios particulares que pelo seus valores estético, histórico e monumentalidade, acabam por fazer parte do património da comunidade e serem por ela protegidos. Era o caso da casa do sargento Edmundo, onde havia espaço para se fazer um museu etnográfico da freguesia.



Escada dentro do pátio
Já depois de demolida parte da casa, alguns habitantes ainda se movimentaram no sentido de deixar de pé a sala da varanda e adaptar o amplo baixo a casa mortuária, ficando a que existe, para alargamento das instalações do Lar do Senhor dos Aflitos.




Banheira, um luxo!
Numa época em que as casas não tinham luz, casa de banho e água canalizada, na casa do sargento Edmundo tomava-se banho de imersão!



Janelas com vistas largas para o bairro d´Além do Rigueiro, colina  de Roriz e castelo de Monforte.



O princípio do fim
Às 16h do dia 23 de abril de 2010, começou a demolição da emblemática galeria envidraçada. As obras, no entanto, começaram dia dezanove, embora eu só me tenha apercebido delas no dia seguinte, quando já tinham sido derrubadas as paredes do topo oeste e do portão do pátio de acesso às escadas.



Chão da varanda em propianho
Contam-se pelos dedos da mão as casas que em Travancas têm estas típicas varandas de granito. Hoje não se fazem mais varandas destas.  Fica dispendioso e o granito é cortado  com maquinaria. Quem as tem, conserva-as e valoriza o património.


Último adeus
Saída da missa, dia 25 de abril.



Travancas perde propianho
O granito trabalhado, da casa do sargento Edmudo, foi parar algures, julgo que a Nantes, próspera aldeia do concelho de Chaves, a troco de algum dinheiro e da limpeza do terreno.



A história do granito ido para fora da aldeia faz-me lembrar outra semelhante de que tive conhecimento pela comunicação social há anos atrás. Na altura foi noticiado que os espanhóis andavam a comprar, na zona raiana, a pedra de xisto dos muros das propriedades.


A conclusão é a mesma: se não damos valor ao que possuímos, outros sabem dele tirar proveito.




Largo da Casa do Sargento Edmundo


Não conheço o Sílvio, neto do sargento Edmundo, mas louvo a sua atitude, de ceder a Travancas, por um preço simbólico, o casarão do seu avô paterno. Gostava de encontrá-lo!


Não sei se a Junta vai dar um nome ao largo do futuro parque de estacionamento mas acharia bem se se prestasse homenagem ao sargento da guarda-fiscal.


Para os que vivem  em Travancas seria uma forma de assumir o passado,  de o preservar e transmiti-lo com dignidade, às gerações vindouras.



Quanto a mim, uma vez que a casa, infelizmente, foi demolida, registo o seu triste fim e a saga, incompleta, da família proprietária, porque escassos são os dados que possuo.


5 comentários:

celestino disse...

Assim se vai anunciando a morte lenta das nossas terras. E o pior é que somos obrigados a assistir a isto absolutamente por impotência.
Vale o teu post, Adriano. Esse fica para a posteridade. E também é património,
Abraço grande.
Tino

Anónimo disse...

Mais uma crónica que leio com agrado. Parabens Sr Adriano, é um prazer lê-lo.

Angelica Maldonado disse...

acabei de ver as imagens da demolição da casa onde passei todas as minhas férias escolares.
Tudo foi bom enquanto tinha avós e pai vivo, após a morte deles a casa só me trazia tristeza.
Adoro Travancas e todas as pessoas que ainda lá residem, bem como os emigrantes.
Tento todos os anos estar presente na festa do Senhor dos aflitos.
Recordo com carinho e saudade os velhos tempos da minha juventude.
Para ir a Travancas uma vez por ano não preciso da casa, razão pela qual como herdeira concordei com a decisão do meu irmão Silvio, aliás todos os herdeiros concordaram, porque existem mais.
A ideia foi: "se não precisas dela, deixa que os outros a utilizem para benefício dos habitantes da freguesia".
Estou certa que mesmo assim irei usufruir do parque, porque o m/ carro e dos m/ irmãos vai ser estacionado no local onde muitas vezes brincamos, dormimos e fomos felizes.
Se o futuro parque contribui para a felicidade de alguém, então eu, estou feliz.
Estou certa que o m/ avo, pai Honorato e tio Mundinho, ficaram satisfeitos com a decisão " a ser cedida que fosse para o enriquecimento da freguesia, que a população bem merece, porque sempre nos respeitou e nos recebeu com muito carinho.
Obrigado Sr. Presidente de Junta pela rápidez e lealdade com que tratou deste assunto.

Angélica Maldonado

Anónimo disse...

sou um desconhecido na terra, mas por incrivel que pareça sou tambem filho do Sargento Edmundo, sou filho nascido de uma relação fora do seu casamento, sou portanto o seu oitavo filho, mas nunca conheci o meu pai o Sargento Edmundo, apenas conheci o meu falecido irmão Mundinho.
Louvo a iniciativa do meu sobrinho Silvio, de fazer da casa um parque de estacionamento, e assim dar um destino a esta reliquia inesquecivel, tenho a certeza que a nova geração nunca esquecerá esta familia de filhos da terra, que um dia conheci na minha visita ao Mundinho e que depois mais tarde voltei a estar presente no seu funeral.
Norberto dos Santos Ramos

Anónimo disse...

Gostei do testemunho da Angélica, parabéns pela postura e forma de estar na vida, os bens materias pouco valor devem ter o importante é a amizade. Quando não se precisa e não se quer alguma coisa, não devemos ser egoistas e deixar que outros utilizem da forma mais conveniente.
Parabéns pelo teu testemunho.