acordar é que eu não queria.
Guardem os vosso rebanhos, pastores.
"Fernando Pessoa, agora na pele e na pena de Alberto Caeiro escreveu: «Sou um guardador de rebanhos, e os rebanhos é os meus pensamentos».
O problema não é ter muitos pensamentos - ah pois.... é que há por aí quem queira matar o rebanho e convencer-nos, ou forçar-nos, a parar de pensar. As ideologias no topo da lista – religiosas e outras!
O problema é outro e Sarte tinha razão: «o inferno são os outros». E é... esses muitos outros que nos habitam, nos incomodam, nos inquietam cá dentro....esses muitos outros (pensamentos) interiores que, como rebanhos rebeldes, não conseguimos domar e dominar! Esse é que é o problema: as ovelhas negras! Há que aprender a lidar com as ovelhas negras.
Que os montes e vales da nossa vida sejam povoados - densamente povoados - de pensamentos. Muitos pensamentos. Até, quem sabe, pensamentos difusos, díspares, diferentes mas que, no fim do dia, no fim da vida, conseguimos recolher como o pastor recolhe as ovelhas no redil. E tornam-se, como que por magia, num rebanho afinal ordenado, conjugado, coerente, em que tudo fazia sentido sem termos, afinal, sentido dessa maneira.
Guardem os vosso rebanhos, pastores.
Luis Melancia
Argemil
Pastor do Monte
Tão Longe de Mim
Pastor do monte, tão longe de mim com as tuas ovelhas
Que felicidade é essa que pareces ter — a tua ou a minha?
A paz que sinto quando te vejo, pertence-me, ou pertence-te?
Não, nem a ti nem a mim, pastor.
Pertence só à felicidade e à paz.
Nem tu a tens, porque não sabes que a tens.
Nem eu a tenho, porque sei que a tenho.
Ela é ela só, e cai sobre nós como o sol,
Que te bate nas costas e te aquece, e tu pensas
noutra cousa indiferentemente,
E me bate na cara e me ofusca. e eu só penso no sol.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Travancas
O Pastor Amoroso
O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito.
Fernando Caeiro, Heterónimo de Fernando Pessoa
Dadim
Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Bocage
São Vicente - Alberto
Ola, guardador de rebanhos
Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?»
«Que é, vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?»
Fernando Pessoa
Roriz
Que haverá para além das montanhas?
Era um pobre pastor. Vivia numa aldeia triste e tinha como único amigo o seu cão. Mas o homem era novo e tinha esperanças. Às vezes, fitava os horizontes e perguntava a si próprio:
— Porque razão não poderei atravessar aquelas serras?... Ir ver o mundo que fica do outro lado? Ah! Hei-de ir um dia... hei-de ir! Isto aqui é pequeno para mim… e aquelas serras são tão grandes... tão altas!... Que haverá para além das montanhas?
Lenda do Pastor e da Serra da Estrela