terça-feira, 30 de setembro de 2014

Ruínas de Tróia raianas

Palheiros à espera de escavações e melhoria de acessos

Que ligação há entre as ruínas de Palheiros, antiga povoação na raia, no termo de Argemil, e as de Tróia?  Nada, a não ser que as duas localidades foram destruídas por guerras. Tróia, na guerra entre gregos e troianos, há 3500 anos; Palheiros, na Guerra da Restauração, entre portugueses e espanhóis.



Localização das ruínas de Palheiros

"O marco num. 271  está collocado no sítio chamado Palheiros, a 34 metros do ponto em que o ribeiro de Palheiros deixa de fazer a  raia e na sua margem direita. Está junto a uma vereda de Arzádegos  para Argemil". 
  In Tratado de Lisboa de Demarcação de Fronteiras, 1864



A Guerra de Tróia, descrita num poema de Homero, na Ilíada, começou por causa de uma bela mulher  grega, Helena, esposa do Rei Menelau, de Esparta, raptada e levada para Tróia, na atual Turquia, por Páris, filho do rei de Tróia.  No rapto morreu Aquiles, o mais valente guerreiro grego, com uma flechada no calcanhar, o seu ponto fraco.




A guerra durou  dez anos, tendo terminado com a vitória dos gregos  que, usando como estratagema,  uma prenda  enganadora, conseguiram entrar nas altas muralhas da cidade, escondidos no interior do Cavalo de Tróia, feito em madeira.





Porém, a guerra entre portugueses e espanhóis  foi mais longa. Durou  28 anos, desde a proclamação da Restauração da Independência, em 1 de dezembro de 1640, até 1668, ano em que foi assinado o Tratado de Paz, através do qual a Espanha se comprometia a respeitar a independência de Portugal. 





Nas terras da raia, como  a praça de Chaves aderiu de imediato à causa dos Restauradores, que em Lisboa  tinham aclamando o duque de Bragança como rei de Portugal, com o nome de João IV, as escaramuças entre portugueses e espanhóis não tardaram.






"Havendo os galegos saqueado e queimado os lugares de Travancas, Argemil e São Vicente, na raia do extinto concelho de Monforte de Rio Livre, (...) o capitão Paulo Teixeira  de Azevedo...  (...) reuniu suas forças ...no castelo de Monforte de Rio Livre (,,,) marchando em seguida sobre as povoações fronteiriças inimigas" .



Lugares galegos que os nossos queimaram neste ano de 1641:
Pelo lado de Monforte, (em 16 de agosto):
Vilarelho 100  fogos (casas)
Arsádegos   150
Palheiros    60
Vilar de Rei  54
Terroso   40
Enxames   80
Vilar de Cervos     40

Abade Baçal, Memórias Arqueológicas




O Abade de Baçal, nas suas Memórias Arqueológicas... escreveu  que "No termo de Arçadegos, há umas ruínas, ditas de Palheiros, com vestígios ainda muito evidentes de casas..." .  O erudito abade, pároco de Mairos entre  1890 e 1896, deveria desconhecer que, segundo o Tratado de 1864, ratificado em 1906, as ruínas de Palheiros, situadas na margem direita do ribeiro, não estavam no termo de Arçádegos mas no de Argemil, freguesia de Travancas.



Se as fontes, portuguesas e espanholas, que relatam as escaramuças ocorridas na Guerra da Restauração da Independência, identificam Palheiros como sendo uma aldeia galega, o Tratado de 1864 inclui as ruínas em território português.  De acordo com nuestros hermanos, a aldeia, de casas colmeadas, depois de saqueada e incendiada,  foi abandonada e nunca mais voltou a ser habitada, ao contrário de Arçádegos em que os habitantes, tendo fugido, passados uns anos, regressaram.



A  grossura de alguns troncos de castanheiros, na encosta portuguesa  de Palheiros,  atesta que há centenas de anos  a cultura da castanha estava implantada na zona; que as terras do local eram trabalhadas e, possivelmente, que o lugar  não estaria desabitado. Esta hipótese é reforçada por um relatório do pároco ao rei, na segunda metade do século XVIII, no qual faz referência auma "Quinta de Palheiros" como sendo um dos lugares da freguesia de Travancas.




Embora do alto da encosta identificasse o local das ruínas, no terreno não é fácil descobri-las.


A tarefa é dificultada pela densa vegetação e. porque alguns caminhos, sem uso desde que as fronteiras foram abolidas, estão invadidos por giestais.


Perante a minha dificuldade em descobrir as ruínas, o senhor Manuel Santos levou-me até Palheiros no seu trator e foi meu precioso guia.
Um cancelo e a carcaça de uma carreta são a  chave secreta para entrar, à direita, nas ruínas da nossa Tróia raiana!



Caçador e possuidor de  conhecimento do território, o senhor Manuel, antes, levou-me a outro local com casas esborralhadas, situado a uns 300 metros de distância do núcleo principal. Serão estas as ruínas da tal Quinta de Palheiros, referida em escritos paroquiais dos séculos XVIII e XIX?




Espanha, ali a dois passos...





"O marco 272 é natural e está gravado na fraga ou Penha Grande de Maceira que está em meia encosta da margem direita do ribeiro de Palheiros, a 384 metros do marco 271. O azimuth da linha 271-272 é 240,19 graos". 
Tratado de Lisboa, 1864

Deve ser gralha porque a Fraga da Maceira, se não estou em erro, encontra-se na encosta da margem esquerda do regato. A  linha de fronteira, portanto, sai do curso de água, a 34 metros do marco 271, e segue por terra em direção a esta fraga e daqui  em diante para Terroso e São Vicente da Raia.








Uma visão galega, atual, das escaramuças do século XVII

"As guerras de fronteira, de contínua aldraxe  e saqueo (roubo de gado, levas, colleitas arrasadas...) tiñan sumido aos viciños  na máis absoluta miséria e ignomínia. 
Apesar das características etnoculturais comúns,  este contínuo latrocínio organizado  dun e do outro lado da raia, ia marcar profundamente  ás xeracións  vindeiras, aflorando ódios e xenreiras ata este  momento inexistentes  que se ian perpetuar  deica os nosos dias".  

Xerardo Dasairas Valsa, Crónicas Rexiomontanas, Vigo, 1999




Palheiros está na memória dos povos de ambos os lados da fronteira. Faz parte da história comum. No decorrer da Guerra da Restauração, os povos da raia, irmãos de fala e de cultura,  tomaram consciência de que a guerra não era sua e que não os beneficiava.


Enquanto objetores de consciência galegos são encarcerados em Verín, nas aldeias do extinto concelho de Monforte de Rio Livre, de que Travancas fez parte, moços começam a faltar à chamada para prestar serviço militar no tercio formado por  civis. 



As ruínas de Palheiros são património comum. Não são apenas casas esborralhadas. A História não se apaga, deixa memórias, de que se devem extrair lições. É preciso que tenhamos consciência do seu importante simbolismo e, à luz das relações transfronteiriças que  se pretende para o século XXI, fazer de Palheiros um ponto  de convergência e convivência pacífica entre galegos e transmontanos.



Porque não, no âmbito de um projeto transfronteiriço de Chaves e Vilardevós, fazer escavações arqueológicas nas ruínas e manter os antigos caminhos transitáveis,  para usufruto  de caminheiros e amantes da Natureza, de ambos os lados da raia?





E porque não fazer pique-niques em Palheiros? 
O meu vizinho, António Ribeiro, conta que, noutros tempos, quando em Portugal a igreja interditava aos fiéis que se comesse carne na Sexta-Feira Santa e em Espanha não se guardava jejum, os de Travancas iam comer a vitela a Palheiros, do lado espanhol, ao pé  do matadouro dos castanheiros. Banqueteavam-se e não cometiam pecado algum!





segunda-feira, 8 de setembro de 2014

À Descoberta de Palheiros I

Casas esborralhadas junto à fronteira

Desde que Palheiros entrou no meu imaginário, que andava com a ideia conhecer e fotografar as ruínas da antiga  aldeia, destruída nas escaramuças entre portugueses e espanhóis, nos anos que se seguiram à Restauração da Independência de Portugal, em 1640.




No foto, localização da Cota de Mairos ou Alto da Escocha, aerogeradores, ruínas junto ao rigueiro de Palheiros e a  linha da raia,  demarcada pelo Tratado de Lisboa, em 1864, mas só ratificada em 1906. Perdida na fronteira inóspita, não foi tarefa fácil descobrir a Machu Pichu raiana.


1º Dia

No primeiro dia, saindo de Travancas, em bicicleta, encontrei, no alto da Fonte Fria, a cuidar de castanheiros enxertados, o senhor Manuel Santos, caçador de Argemil, que me indicou o caminho para  chegar ao lugar.



Descendo para o rigueiro de Palheiros, por um caminho íngreme e pedregoso, rodeado de altas giestas, passei por um potente canhão de água que regava o milharal do informador. Numa curva, como que por magia,  surge a aldeia de Florderey. A vista é fantástica.



Calheia por onde deveria passar para chegar às ruínas. Como não compreendesse a palavra - um regionalismo -  e pedisse ao senhor Manuel para a repetir, ele explicou-me, meio atrapalhado, que calheia é  um caminho antigo e estreito com muros de pedra.
Para quem aprecia o contato com a natureza, o trajeto é tonificante.



Alguns dos lameiros onde o Ruço, nomeada do caçador, bota as vacas a pastar.


Montes de feno, para alimentar o gado no inverno. 


As ruínas de Palheiros ficam aqui perto, à esquerda, antes do tanque, mas não encontrei o sítio - segui em frente e para a direita  -  regressando  a Travancas pelo caminho da ida. 













 2º Dia 
À descoberta de Palheiros



No segundo dia à descoberta de Palheiros, saí outra vez em bicicleta  mas em direção ao  Vale da Preta. De lá, desci pelo caminho da Faceira até à fonte Salgueiro, onde outrora existiu uma pia, para matar a sede aos viajantes  e montadas dos romeiros portugueses  que se dirigiam a Vilardevós. Neste concelho galego, um hospital e um albergue da Ordem de Malta, acolhiam e davam tratamento aos peregrinos de Santiago de Compostela.


Mais abaixo, a poucos metros da fronteira, na Faceira, num lameiro do José Maldonado e numa terra pegada, do Nicolau, encontrei dois casarelhos de pastores que, sendo belos exemplares do património edificado agro-pastoril,  atestam a importância do pastoreio nas terras da raia.


Passagem de pedras, na Faceira, sobre o regato de Palheiros. Portugal fica em primeiro plano.
 


Calheia abandonada.
Desde que a fronteira alfandegária foi abolida em 1986, contrabandistas e outras pessoas deixaram de usá-la para ir a Arçádegos. Agora é mais fácil, vai-se de carro e não há guardas-fiscais.

Mas, porque não limpar o caminho com um trator, permitindo que adeptos do sanderismo façam caminhadas ecológicas até às históricas ruínas?



Daqui para baixo, o caminho que, pelo lado esquerdo, conduz às ruínas, está coberto de vegetação. Caminhei, debaixo de gestais e levando a bicicleta pelas mãos...



...até encontrar  uma vereda que pastores de Argemil utilizam para subir com o gado ao Vale Grande.


Tal como na tarde anterior, andei às voltas,  incluindo por lugares onde já estivera,  sem descobrir as casas arruinadas de Palheiros.


Desolado, fui-me embora sem voltar para trás, indo em direção ao caminho que leva ao posto de vigia florestal.
Para ultrapassar a vedação, a vedar a passagem no "caminho público" de Argemil a Arçádegos,  deitei a bicicleta por cima e rastejei-me.


Depois, subi a íngreme encosta, situada  em primeiro plano, por um caminho que vai dar aos estábulos do senhor Carlos, conhecido pela nomeada de Cacá.



Já quase no alto, uma placa do PRODER - Programa de Desenvolvimento Rural - informa que no local está em curso um investimento total de 163.180,48 euros, para reflorestamento dos baldios de Argemil, financiado pela União Europeia em 130.544,38 euros.


Dirigi-me ao posto de vigia florestal, onde, por sorte, o senhor Manuel Santos fazia companhia à esposa, a trabalhar lá como vigilante. Embora já me tivesse prometido que me levaria às ruínas, caso não desse com elas, foi a mulher, mais afoita, que lhe disse: "Leva-o lá no trator!" E ele levou!
À "Descoberta de Palheiros" vai coninuar.



Arranque da Batata' 14

Começou a campanha

Com o início da colheita da batata, o ciclo produtivo do tubérculo está a chegar ao fim,  neste ano agrícola. 

Encontrei os primeiros arrancadores logo a seguir à festa do Senhor dos Aflitos, no sítio do Vale da Preta,  quando ia ter com o "alcalde" do concelho de Vilardevós, no outro lado da raia.



Acostei o carro e fui ter com o grupo, constituído por três senhoras, três meninas e o tratorista, membros de duas famílias, de Argemil e Travancas.  Ninguém é assalariado; trabalha-se no sistema de torna-jeira, sistema de entreajuda ainda muito em uso nos trabalhos agrícolas.



"Tem de fotografar  o meu colmeal, em Argemil, uma coisa linda!" Ficou a promessa de um dia fazer a "reportagem".


Apesar do preço da batata no produtor não compensar a produção, sempre se vão cultivando alguns campos, quanto mais não seja para a dar de alimento às vacas e recos.



Arrancador de batata vibratório, com uma cunha, atrelado ao trator. Na freguesia há diferentes modelos.



Tradicionalmente, o arranque da batata, com guinchas, é tarefa de homens e a apanha é feita por mulheres.



Enquanto não arranca o ano letivo de 2014/2015, as duas amigas ajudam as famílias  na colheita da batata.  Uma maneira diferente de terminar as férias!



Antigamente, por esta altura, armavam-se as costelas aos pássaros e era preciso ir aos grilos, junto dos batateiros, para os atrair.



Mas, embora esteja feliz por ter encontrado um, a menina não  vai fazer essa maldade ao grilinho!




Em abril, o João Pilão, de Argemil,  quando andava a semear batatas, deu-me umas tantinhas para eu cultivar.


Uma batateira das sementes oferecidas.


Deu esta quantidade de batatas!

A colheita foi de seis baldes, por pouco  mais de um balde semeado; É uma produtividade não muito baixa, apesar da falta atempada de monda e regas frequentes.