sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Tempo das segadas

Ceifas de hoje na Capital da Batata


Nas terras "da montanha", como se diz em Chaves, o verde da rama das batatas e o dourado das searas de centeio estendem-se a perder de vista.



Na capital da batata, a produção de centeio ocupa à volta de 80% da área cultivada e a batata os restantes 20%. Há 15 anos atrás, a área de produção das duas culturas ainda se igualava. Hoje, também há uma grande área de poulo ou coberta de giestas.



A cultura cerealífera assenta essencialmente na produção de centeio. Há uma ou outra seara de trigo, mas não passa disso mesmo, de uma cultura residual. O centeio, pelo contrário, dá-se bem em climas frios e solos secos, pobres em nutrientes e ligeiramente ácidos.



As ceifas começam, quando os grãos ficam maduros e as espigas secas. A duração está dependente do clima, durando, em média, duas a três semanas. Quando o tempo está de chuva, não se pode ceifar. Já houve um ano, inclusive, bastante chuvoso, em que a palha ficou negra e por altura da festa do Senhor dos Aflitos, ainda se ceifava. As ceifas deste ano começaram dia 20 de julho e devem terminar por volta do dia 10 de agosto.



Há dias, numa tarde de muito calor, quando me apercebi da movimentação de segadeiras, fui de bicicleta até aos cruzamentos para São Cornélio e Roriz, com o intuito de fotografar as ceifas. A segada manual, essa acabou, há aproximadamente 40 anos. Nesse tempo, os segadores vinham de outras aldeias, formando cinco a seis ranchos, de oito a dez segadores cada um, comandados por um capataz. De Travancas também iam homens para outras terras segar, incluindo para A Gudiña, na Galiza.



Acompanhei a ceifa de uma seara, junto à oficina do Zé Pinto. Ao todo, em Travancas, há seis ceifeiras a trabalhar. Uma vem do concelho de Valpaços, outra da freguesia de Casas de Monforte, duas de São Cornélio e uma de Argemil. Curiosamente, em Travancas não há quem tenha ceifeira, desde que a família Maldonado deixou de ter uma, que debulhava e ensacava. Há três anos o Berto também comprou uma ceifeira, que ainda trabalha em São Cornélio.



Uma ceifeira-debulhadora, dependendo do terreno, ceifa, em hora e meia, mais ou menos, um hectare, tanto como seis ceifeiros, empunhando foices, segavam de sol a sol. A mecanização foi, aliás, entre outros, um fator de emigração.



Num hectare de terra - dez mil metros quadrados - são semeados à volta de quinze alqueires de centeio, ou seja, cento e oitenta quilos, enquanto a produção média por hectare ronda os três mil. É pouco? muito? São fiáveis os dados sobre a produção que uma fonte de informação me indicou? Pretendendo estabelecer comparações, pesquisei na internet e encontrei previsões do INE apontando para uma produtividade média de 990 kg/ha, em 2009, em Portugal continental.



A ceifeira-debulhadora corta o caule do centeio e debulha, separando os grãos da espiga, trabalho este, outrora efetuado nas eiras pelos malhadores. A ceifeira da foto também ensaca.




Mal terminou a ceifa da seara, um trator, puxando um atrelado, foi colocado ao lado da ceifeira, para o grão ser despejado em sacos, segurados por vários homens, enquanto um quinto os atava. 


Na aldeia há cerca de vinte produtores. A produção total, apesar de ter vindo a diminuir, é de vinte e cinco vagões, de dez toneladas cada um! Muito centeio! Há 25 anos, antes da EPAC ser extinta, a cooperativa agrícola comprava o centeio a 50 escudos o quilo, agora paga-o, a doze cêntimos na aldeia, e a treze se o agricultor o entregar em Chaves.



Apesar de apenas ter sido observador da ceifa, feita debaixo de calor escaldante que fazia suar por todos os poros, aceitei a oferta de molhar a garganta seca com uma refrescante cerveja.



Noutros tempos, no final da segada, havia festa. O rancho de segadores cantava e levava o ramo a casa do patrão, pendurando-o na varanda, como sinal de fartura. Agora a festa é outra; os homens, quais Ulisses no fim de uma suada batalha, saciam a sede no local de trabalho, em cima do atrelado, irmanados na camaradagem.



Sensivelmente à mesma hora, sobre o restolho de outra seara, perto do cruzamento para Roriz, uma enfardadeira arrebanhava a palha do centeio para fazer fardos.



O senhor Luis Batista, de Valpaços, com dois dos seus empregados, a reparar a enfardadeira.  "Há trinta anos é que era bom!" - lamenta-se, por as horas de trabalho já não serem tantas e só ao fim de dez anos o custo da máquina ficar amortizado. Os agricultores, por seu turno, queixam-se do aumento dos custos da segadeira e da enfardadeira. Antigamente, pagavam vinte euros à hora pelas máquinas, hoje pagam oitenta. Um saco de herbicida custava entre trezentos a quinhentos escudos, hoje custa 16 a 17 euros.



Cada fardo pesa à volta de doze a quinze quilos. Este ano, como há menos palha, já se venderam fardos a 1,50 €, quando no ano anterior, cada um foi vendido a oitenta cêntimos.



Tempo da ceifa a chegar ao fim, com a recolha dos fardos, num ciclo produtivo iniciado com as sementeiras, nos meses de outono.



Nem toda a palha é vendida. Quem tem vacaria guarda-a, para alimentar o gado, ou para produzir estrume, no caso daqueles que criam recos e coelhos.



No tempo das segadas e das malhadas, a palha, em palheiros com a forma de teta, ficava na eira. Hoje não há eiras; a palha é enfardada no local da ceifa e os fardos são transportados para armazens ou cobertos com plásticos pretos, para proteger os proteger da chuva, do nevoeiro e da neve.


Fonte da informação
Os dados contidos na postagem resultam de uma entrevista ao Tó Ribeiro, a quem agradeço a disponibilidade para responder às minhas perguntas.




1 comentário:

Anónimo disse...

Fez-me voltar 50 anos atrás. Os meus avós, semeavam trigo ali na zona de Alcabideche. Quando se levantava o trigo das medas, para ir para a eira, era ver-me a correr junto com o meu irmão, atrás dos ratos que ali se alimentavam. Um abraço Senhor, por mais uma excelente crónica.