Primeiro nevão isola aldeias da freguesia de Travancas
Que saudades, Deus meu!
Desde Domingo, dia de Santa Luzia, que a meteorologia anunciava o abaixamento da temperatura e a queda de neve, nas terras de Trás-os-Montes, situadas acima de 400 metros. Como estava sol e céu limpo, não acreditei muito na previsão mas ia desejando que a neve voltasse, durante a minha estadia na aldeia. Ela cá está a cair "branca e leve, branca e fria!"
Seis graus negativos às oito da manhã!
Às 7h30 era este o cenário que via da varanda de casa, deixado pela nevada caída durante a madrugada.
A queda de neve durante o dia, com regularidade e sem intensidade, cobriu as ruas de branco. Aderiu bem, devido à baixa temperatura, alguns graus abaixo de zero.
À conversa com a vizinha.
Saí de casa e dirigi-me ao Largo de São Bartolomeu.
No largo, havia matança. Quando cheguei, os porcos já estavam a ser chamuscados no baixo, ao lado dos tractores.
Com a pedra na mão, pronto para raspar as cevas.
Relações de vizinhança
Alheios ao frio e à neve, vizinhos entreajudam-se, à vez.
O Berto, como é chamado por amigos e familiares, não tem mãos a medir. Hoje matou mais três suínos.
Dentro, era grande a azáfama. As mulheres aparam as tripas e o bucho. Depois preparam as víceras para o butelo, alheiras e chouriças; separam o fígado, o bofe o e coração; lavam, varrem ...
Ao sair da loja, cruzei-me com a senhora de alguidar na mão. Iria ajudar à matança?
Passando pelo Lar do Senhor dos Aflitos, encontrei a Dona Libânia e outra senhora, atarefadas a fazer o almoço, porque as empregadas da cozinha tinham faltado, impedidas de chegar a Travancas, por causa da neve na estrada.
Esta casa de granito, em ruínas, fica na esquina da Rua do Cemitério e da primitiva via de saída e entrada de Travancas, na ligação da aldeia a Chaves, pela Bolideira. Impelido por um sentimento de saudade caminhei para a direita.
Tinha estado aqui em Novembro a fotografar o palheiro e as abóboras. Encanta-me a rusticidade do recanto, a ruralidade, as alfaias agrícolas, o mugido das vacas e o latido dos cães.
A caminhada na neve levou-me até à nossa últma morada. Parte de mim jaz aqui, sob este manto de brancura. Emocionado, interrogo-me sobre o sentido da vida e recordo o texto sagrado:
"Lembra-te que és pó e à terra voltarás".
Os sinos não tocaram
Estava marcada missa às nove horas da manhã, por intenção dos que partiram, mas o senhor padre Delmino não subiu ao planalto, impedido pela neve.
Ao lado da igreja, está este casarão, moribundo. A previsível demolição será uma perda irreparável, para o património edificado de Travancas. Sinto tristeza e revolta interior só de pensar, que uma das mais bonitas casas tradicionais da aldeia, irá ser deitada abaixo.
Casa da residência do padre, pertencente ao povo. O último sacerdote a habitá-la foi o senhor padre Moura. Portas cerradas e escadas que não levam a nada. Outra demolição à vista? Andar por Travancas, num dia de neve, propicia a reflexão sobre o que esta comunidade é e o que quer ser.
Casa de granito, no cimo do povo, a ser restaurada. As casas são como as pessoas, de vez em quando precisam de tratamentos para estarem bem.
Simbiose de modernidade com preservação da arquitectura tradicional. Que o exemplo frutifique!
A ronda pela aldeia terminou. Faltou-me andar pela estrada, ir ao Senhor dos Aflitos ...
Em Travancas, neve e azevinho, símbolos da quadra natalícia.