E o prazer de partilhar
Vive no Lar de Travancas mas é natural de Segirei, freguesia de São Vicente da Raia, onde tem familiares e cerejeiras. O senhor Ramiro foi protagonista, há pouco tempo, de uma bonita história de amor entre idosos, sem Happy End.
Mas a história de hoje é sobre o despojamento deste homem, que diz não ter medo de morrer. Há uma semana atrás, quando as cerejas de Travancas ainda não pintavam, ele, franzino mas rijo e lúcido, apareceu ao pé de mim dizendo: -Bá, abra a porta!
Fiz o que disse e abri o portão do muro que separa o linhar da rua. Entregou-me então, num saco de plástico. mais de dois quilogramas de cerejas de Segirei, aldeia aconchegada num vale e em cujo solo brotam águas termais. "-São para si e a sua esposa. Diga-lhe que me lembro bem dela; tinha dois anos, quando trabalhava para a avó.
Nas mãos segurava mais sacos de cerejas, para presentear os demais vizinhos do bairro Além do Rigueiro. Penso que deve ter percorrido o povo, feliz, a fazer a distribuição, casa a casa, sem se esquecer dos companheiros residentes no Lar.
O gesto do senhor Ramiro, de partilhar as cerejas com os vizinhos, lamentando que se percam aquelas que não são apanhadas, é revelador de uma louvável beleza de caráter que contrasta com o egoísmo e a ganância de outros.