domingo, 8 de dezembro de 2019

Alminhas da Roçada

 Obra de arte popular e devoção

Dia 21 de novembro de 2019 Travancas ganhou um oratório de culto às almas do purgatório, embora sem o peto ou caixa de esmolas. Para quem vem de Arçádegos, povoação galega, o artístico monumento aos mortos fica à entrada da aldeia, na encruzilhada da Rua da Roçada com a estrada que vai para a fronteira.


Travancas já teve no lugar do Peto um nicho com mealheiro das alminhas, peto de ánimas em galego, incrustado na frontaria de uma casa. Todavia, há dezenas de anos, devido à ignorância e incúria humanas, perdeu esse precioso bem cultural. No século XXI, do peto apenas restam as histórias contadas pelos mais velhos.



Na Galiza os Petos de Ánimas anteriores a 1901 são considerados bem de interesse cultural.  E na raia de cá, para quando uma lei protetora das alminhas?



No Peto, como em todas as alminhas, parava-se para rezar pelos mortos que penavam nas chamas do Purgatório e às vezes botavam-se moedas nele. Acredita-se que, graças às orações e às esmolas, as almas do Purgatório ficam limpas do pecado e sobem ao Céu, e onde, como numa troca de favores, intercedem a favor dos vivos que não se esqueceram delas.




O dogma do Purgatório, estado intermédio entre  o Céu e o Inferno onde a alma do falecido com pecados leves fica de castigo até ser purificada, foi instituído no Concílio de Trento, no século XVI. 
 
A concretização do dogma contribuiu para a expansão do culto às alminhas em Portugal e na Galiza no século XVII e seguintes. Marcas profundas da religiosidade popular, são uma presença constante nas estradas rurais e encruzilhadas.


A crença de que bruxas e espíritos malignos se encontram nas encruzilhadas exprime o medo pelo desconhecido. Terá sido por isso que desde tempos remotos, para afastar tais temores, se ergueram monumentos e realizaram cultos a divindades protetoras dos caminhos, dos viajantes, dos campos e das famílias.


A construção de capelas, oratórios, cruzeiros, estátuas de santos e petos das almas nas encruzilhadas, cristianizando espaços de anterior culto pagão, foi revelador da mudança de paradigma nas crenças religiosas, nos séculos posteriores à Contra-Reforma


Em sentido inverso, no século XXI, com o avanço da descristianização os petos, cruzeiros e capelas, estão a perder a função religiosa em detrimento  da finalidade de preservação cultural associada à estética e ao belo.



No topo  das Alminhas da Roçada figura uma cruz celta, símbolo identitário deste povo e anterior ao cristianismo, mas adoptado pela igreja irlandesa após São Patrício, padre irlandês, ter convertido os celtas à fé cristã.


A cruz céltica no oratório das Alminhas da Roçada também serve de pretexto para vincar a ideia de que Trás-os.Montes, pelas suas raízes, pertence à cultura celta,  pujante na música tradiconal e nas festas solsticiais de Inverno.




O círculo da cruz, onde duas barras vertical e horizontal se encontram, simboliza o Sol, fonte da vida, a espiritualidade focada na Criação. Movimentos neo-pagãos, inspirados no culto solar, usam a cruz celta como amuleto que dá força e protege. Para os cristãos, porém, a cruz simboliza Cristo Redentor, o alfa e o omega, o principio e  o fim do universo.




O beiral, de inspiração na arquitetura clássica do Renascimento, apresenta duas abas retilíneas  que se tocam em esquadria para formar um ângulo reto. No seu interior está um delta com um ponto central. Na tradição cristã essa figura simboliza a Santíssima Trindade e o olho de Deus que tudo vê. Nas igrejas barrocas do século XVIII era costume representá-lo sobre o altar mor, irradiando raios de luz.




Pedra de apoio, para colocação  de velas votivas  e flores, mas onde ainda falta prender ao granito uma barra de ferro protetora para os objetos não cairem.



No nicho de azulejos das alminhas costuma estar  representada a imagem de quem se recorre para interceder pelas almas dos falecidos. Os mais representados na iconografia são Nossa Senhora do Carmo, Cristo crucificado, arcanjo São Gabriel,  Santo António, etc., e em alternativa , uma cruz.




"As crianças vão directas para o Céu, são símbolos de pureza e por isso não têm nada para limpar no Purgatório".



Porque não recorrer diretamente ao Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, para interceder pela almas do Purgatório? A pomba branca, símbolo do Espirito Santo, irradiante de Luz, é mencionada na Bíblia, no livro do Génese, com uma folha de  oliveira no bico, a anunciar  o fim do Dilúvio.


As almas, em agonia, suplicam orações e esmolas aos vivos para se purificarem e libertarem  das chamas do Purgatório.  A  sigla  P. N. A. M. em painéis de azulejos de Alminhas do século XVIII significa que se reze pelas almas do Purgatório Pai Nosso e Ave Maria.
A data em que a obra foi feita costuma aparecer nos azulejos.





"Irmãos, ajudade-nos a sair destas penas"



De todas as frases ligadas à necessidade de orar pelas almas, a que  mais me agradou foi a das alminhas do antigo Albergue de Peregrinos em Roriz, de que a empresa  fez uma réplica bem feita, com ligeiras modificações, para tornar a leitura mais fácil a qualquer pessoa.



Frontaria do antigo Albergue de Peregrinos em Roriz, em abandono, antes das obras de reconstrução em 2017.



Alminhas da Roçada


Antes...


Depois

Nota:
A edificação das Alminhas da Roçada só será dada por concluída quando o espaço envolvente, já expurgado de silvas,  ficar ajardinado, rodeado de plantas de alfazema, alecrim e neriuns oleander.




2 comentários:

TRAVANCAS DA RAIA disse...

Benigne dicis gratias ago , Lorem Nativitatis
cordealement isaque

PEREYRA disse...

lol

Saudações natalinas Isaque