segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Caminhada a Palheiros

 Ruínas de aldeia incendiada em 1641

Grupos de senhoras de São Cornélio, Argemil e Travancas têm o hábito salutar de caminhar ao longo da estrada que une as aldeias do planalto à Bulideira. 

No entanto, há percursos, como os que outrora partiam de Argemil e Travancas para Palheiros, e de lá para Arçádegos, que pela beleza paisagística, património edificado, histórias de contrabando e de emigração a salto, merecem ser redescobertos. 


Acedendo ao convite da filha,  de irmos a Palheiros, a pé,  assumi o papel de guia. Partimos do cruzeiro de S.Tiago, em direção à Fonte Fria, indo pelo caminho que fazem   os pastores, ao anoitecer,  de  regresso a Argemil.


Nesta bifurcação, depois de hesitar, optei pelo caminho à esquerda.

 

Sempre a subir, passámos por alguns soutos, harmoniosamente plantados...

 

... e searas de centeio.  Vistas largas, paisagem deslumbrante.

Altaneiro, o posto de vigia florestal servia de bússula. Todavia, de pouco nos valeu, porque o caminho tomado na bifurcação desembocou na estrada alcatroada, um pouco abaixo do Vale da Preta. 

No Vale da Preta seguimos pelo estradão que desce para a Fonte Salgueiro.  Trajeto acolhedor, bordejado por carvalheiras.

 

Cabana da Faceira, atestando aquilo que está nos livros: que os pastores percorriam uma rota que no Verão os trazia às lamas das terras altas, para apascentar os rebanhos; nos casarelhos faziam lume e passavam noites, abrigados do frio e dos  lobos. Vidas solitárias a destes homens.


Rigueiro de Palheiros, Nascido a umas centenas de metros acima, na Cota de Mairos, ainda leva pouca auga. No tratado de demarcação de fronteiras, em 1864, ficou a servir de linha divisória, entre os reinos de Portugal e Espanha.


Vista tonificante para os amantes da Natureza.

Do lameiro e da seara para baixo, até às ruínas, a encosta é íngreme;  A calheia da Faceira e o trilho, outrora também percorridos por contrabandistas, estão cobertos por giestas e vegetação  espessa.  

Para adeptos de caminhadas lúdicas, e para bem da preservação da memória coletiva da gente raiana, torna-se urgente a sua limpeza e sinalética.


Relativamente à primeira visita que fiz a Palheiros, de descoberta das ruínas em 2014,  noto uma progressão do matagal, na área das casas esborralhdas. Impossível chegar ao marco 271!


Palheiros, no termo de Argemil, apesar de ter pertencido a Portugal desde o Condado Portucalense, tal como Arçádegos e outras aldeias galegas da raia, em 1641 era uma aldeia habitada por galegos. 

Nas guerras da Restauração, 1640-1668, foi incendiada, entre outras, por militares  do castelo de Monforte de Rio Livre, em represália por os espanhóis terem saqueado e incendiado Travancas, Argemil e São Vicente. 

Tinha 60 casas colmeadas. Os seus moradores fugiram  e nunca mais regressaram, mesmo após a assinatura do Tratado de Paz, pelo qual a Espanha reconhecia a Restauração da Independência de Portugal.


Sobre Palheiros escreveu o Abade de Baçal, pároco de Mairos e Travancas entre  1889 e 1896. 
O abade, ainda um jovem no inicio da vida sacerdotal, terminada a missa em Travancas, no regresso a Mairos passava por Palheiros, onde ia à caça da perdiz. 
No local convivia com caçadores, guardas-fiscais, contrabandistas e um galego de Arçádegos que aos domingos, de Setembro  a Março, aí vinha com a mulher matar uma vitela, de que todos comiam postas temperadas com sal, assadas na brasa.



Finda a visita às ruínas, fizemos o caminho inverso. Subimos a encosta por uma vreia que ladeia os lameiros. Paisagem bucólica de onde não havia pressa em sair.


Já quase no alto da encosta, a vista alargou-se para poente e vimos à nossa frente  o marco da Cota, território espanhol,  e os três aerogeradores portugueses do Vale Grande.


Descida para a Fonte Fria, local onde se construiu o primitivo quartel da guarda-fiscal de Travancas. A mudança para a aldeia fez-se. porque os guardas se queixavam do isolamento e do frio.


Caminhada, sob sol ardente, quase a terminar. Embora não tenha medido distâncias nem contado  o tempo, calculo que em cada sentido, andando devagar, tenhamos demorado  cerca de uma hora.

Travancas à vista. Castanheiros do Vale da Bouça e últimas casas da aldeia, na estrada que vai para a fronteira.

Foi uma caminhada revigorante. Lenitivo para desbravar, entre outros, o Caminho do Abade de Baçal entre Travancas e Mairos.



4 comentários:

Anónimo disse...

Atrevidamente, e sorrateiro, com que gosto acompanhei ao autor neste delicioso passeio!

Um Conto muito bem contado!
E as fotografias «acibam» a vontade de ter ido convosco.

"Gracias" por poder partilhar o conto as fotografias e ter dado asas à minha imaginação.
Bem, também se me amargaram umas pétalas da saudade dessa Normandia Tamegana!

Luís Henrique Fernandes

PEREYRA disse...

Olá,Romeiro Tamegano!
Que bom tê-lo por cá! Foi uma pena terem acabado os Encontros que nos levavam a conhecer as nossas terras raianas.
Desde março que estou fuxido da pandemia, refugiado na raia, onde pretendo dedicar-me a caminhadas físicas, intelectuais e espirituais.
Engraçado, ainda ontem, a arranjar estantes de livros, estive com "A Missa de Sétimo Dia" na mão! Há coisas do demo! Saudações amistosas.

Anónimo disse...

Caro Adriano Pereira

Hoje não consigo aceder ao seu e-mail, via perfil.

Em 21 de Outubro de 2015 enviei DOIS PITIGRAMAS (Textos) pelo e-mail -.-aapereyra@sapo.pt.

Não sei se o Adriano os recebeu.

Naquela altura usava outro e-mail que não o de hoje.

Para não me alongar AQUI, agradecia me confirmasse o seu e-mail, uma vez que é(era) público.

Agradeço a resposta ao meu comentário.

Depois da confirmação do e-mail, e com sua licença, entrarei em contacto consigo.

Cumprimentos e votos da amelhor saúde para o Adrinano Pereira e Família

Romeiro de Alcácer


PEREYRA disse...

Olá, Romeiro de Alcácer
Até Julho de 2015 usei o email "euroluso" "@" "gmail". Na página de abertura deste blogue explico porque mudei para aapereyra@sapo.pt. Não consigo ter acesso ao histórico da anterior caixa de correio. Saudações raianas.