Por detrás dos castanheiros
Era uma vez dois anosos castanheiros bravos através de cuja ramagem, nos ocasos de Inverno, via o pôr do Sol no
campanário.
Numa destas manhãs ensolaradas, mas de frio polar, munido de moto-serra elétrica, deitei abaixo os castanhos e dois carvalhos americanos. De pé ficou uma nogueira, que agora pode ramificar livremente.
Quando os conheci, há mais de quarenta anos, os castanheiros do Cabanco já eram velhos. O tronco era tão grosso que não cabia no abraço de um homem só.
No tempo do avô Benedito as castanhas alimentavam recos para cevar. A carne, depois da matança, transformada em rojões, salpicões, chouriças, alheiras, sangueiras e presuntos, era o goBerno da casa durante o ano inteiro.
Mas o progresso tecnológico transformou o mundo rural na segunda metade do século XX. Mudou mais no espaço de uma geração do que em centenas de anos, antes.
As casas no bairro Além do Rigueiro deixam de ter cozinhas para o fumeiro e lojas para animais. Deixam de se criar recos para cevar e as castanhas bravas do Cavanco ficam no chão a apodrecer.
Sem função alimentar, os dois anosos castanheiros - e dois carvalhos que plantei mas não transplantei em devido tempo - convertem-se em elementos paisagísticos que humanizam o bairro.
Serrei-os, tenho lenha, mas não fiquei mais feliz. Os castanheiros abatidos, pela ligação a várias gerações familiares e pela memória que deles guardo, são parte de mim que deixa de existir.
Sem moto-serras continuariam em pé por mais tempo
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