segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Pisada das Uvas

Numa terra sem vinhas

Em Travancas, Argemil e São Cornélio, terras de montanha, pisam-se uvas no lagar, segundo o método tradicional de esmagar os bagos com os pés, sem danificar o cangaço e as graínhas.
 
 
"...De aí a nada, arregaçados, os homens iam esmagando os cachos num movimento onde havia qualquer coisa de coito, de quente e sensual violação. Doirados, negros, roxos, amarelos, azuis, os bagos eram acenos de olhos lascivos numa cama de amor. E como falos gigantescos, as pernas dos pisadores rasgavam mácula e carinhosamente a virgindade tímida e feminina das uvas."
Miguel Torga, As Vindimas
 


Apesar da cultura da vinha não se adaptar ao clima frio, os apreciadores de vinho, continuam a tradição de descer às aldeias da Terra Quente, ou ir aqui mais perto, a Santa Valha, Curral de Vacas e a tantas outras terras, para comprar uvas.  
 


Máquina para esmagar uvas. Quando são deitados ao lagar, para serem pisados, cangaço, peles dos bagos e graínhas já vão misturados com algum mosto, sumo adocicado de uva.
 


No passado dia 27 de setembro, no lagar do Gustavo, sete amigos, durante duas horas, pisaram uvas compradas em São Pedro Velho, concelho de Mirandela, para fazer 3 600 litros de vinho.


"A princípio, a pele branca das coxas, lisa e morna, deixava escorrer os salpicos de mosto sem se tingir. Mas com a continuação ia tomando a cor roxa, cada vez mais carregada, do moreto, do sousão, da tinta carvalha, da touriga e do bastardo."
Miguel Torga, As Vindimas

 


Ambiente alegre, animado pelo Isaac, que não parou de cantar, puxando pelos restantes.
 
 
"A primeira violação tirava apenas a cada cacho a flor de uma integridade fechada. Era o  corte. Depois, os êmbolos iam mais fundo, rasgavam mais, esmagavam com redobrada sensualidade, e  o mosto ensanguentava-se e cobria-se de uma espuma leve de volúpia."
Miguel Torga, As Vindimas




Desde a minha infância que não entrava num lagar de vinho. Naquele tempo, os cachos de uvas, transportados em carros de bois,  dentro de dornas, eram despejados diretamente para o lagar. E a festa da lagarada durava até ao amanhecer!


"À tona, a roçá-los  como talismãs, passeavam então volumosos e verdadeiros sexos de pisadores, repousados mas vivos por dentro das ceroulas de tomentos..."
Miguel Torga, As Vindimas
 



No final do pisar das uvas o mosto fica em repouso, até fermentar. Passados três a quatro dias, o Betinho entra no lagar do pai para "baixar a cortiça ao vinho".  Com a fermentação, a canga sobe à tona, flutuando sobre o mosto que, ao azedar, se transforma em vinho. Ao fim de mais duas semanas, o vinho é separado do  bagaço e metido em cubas de carvalho, para amadurecimento, até janeiro ou fevereiro. Mas há quem prove o vinho novo, pelo São Martinho.
 


 Oui, oui, oui!
 


Durante a lagarada, a dona Maria mimoseou os "seus trabalhadores" com deliciosos pastéis de bacalhau.

Cerveja e vinho da safra do ano anterior, ajudaram a molhar as gargantas secas pela cantoria.
Ai verdinho, meu verdinho
Já saíste da videira (bis)
Escorrega devagarinho
Apaga-me esta fogueira (bis)



Diversas pessoas, incluindo galegos de Vilardevós, em momentos diferentes, passaram pelo lagar, como espectadores. O Mário foi um deles. Neste momento encontra-se no hospital de Chaves, devido a um AVC,  sofrido dias antes de regressar a França.


A festa terminou em alegre jantarada, em casa do Gustavo, dono do Café Central.


Não há vinhedos na freguesia mas há bastantes videiras de jardim, como em casa do Chico Melo.
 
 
Cachos de uvas na Rua Camões. Há quem garanta que se faz vinho com elas.
 
 
 
Bonita latada,  em formação, na Rua do Sol.
 
 
A lagarada é mesmo uma festa! Um bom momento para recordar cantigas que não morrem.

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