Alegoria às Brumas de Avalon
Travancas não é a brumosa ilha de Avalon, terra encantada que as mulheres governam pelo seu poder de gerar vida.
Nem nela andou Lancelot, o mais valoroso cavaleiro da Távola Redonda, por quem se apaixona a bela raínha Guinevere, esposa do Rei Artur.
A enevoada terra raiana, situada nos confins do Reino Maravilhoso, conto de Miguel Torga, encanta, todavia, quem sobe à montanha e entra no planalto ecológico pela porta da Pedra Bulideira, guardiã de um segredo, desvendado a portadores de sabedoria.
Terra de celtas, povo que deixou herança genética e práticas culturais, nos costumes pagãos dos primitivos habitantes da freguesia, partilha com Avalon, além das brumas, o património das lendas do Ciclo Bretão.
Os amores entre Guinevere e Lancelot trazem à memória outros amores de perdição, há meio século atrás, entre um capitão do exército português - casado e anti-salazarista - e uma simpática, extrovertida e liberal filha raiota, cuja voz doce e reconhecida beleza, tinham o dom de pôr os homens de cabeça à roda e prostá-los de desejo a seus pés.
A relação entre os dois amantes termina com o assassinato do capitão, encontrado por cães, enterrado nas dunas da praia do Guincho. Jose Cardoso Pires inspira-se nessa trama passional para escrever "A Balada da Praia dos Cães", premiada obra que está na origem de um filme com o mesmo título.
Nas névoas raiotas não há nenhum bardo, espécie de trovador celta, como Kevin, o melhor harpista do reino de Artur, mas gaiteiros, sempre houve e haverá, como os que tocavam para enamorados nas eiras e no largo, onde estes bailavam.
A murinheira trina trina
A murinheira trinará
A murinheira anda prenha
A murinheira parirá
Voltando a Avalon, a Ilha Sagrada, guardiã de mistérios eternos, houve um tempo em que, segundo a maga Morgana, irmã do Gande Rei Artur, "os portões entre os mundos (mitológico e o real) flutuavam por entre as brumas e estavam sempre abertos um para o outro, conforme o que o viajante pensasse e quisesse".
De igual modo, as névoas que cobrem, noite e dia, o Reino Maravilhoso, entre o equinócio de outono e o da primavera, entranham-se em nós, dando-nos a sensação de estarmos num mundo fantasmagórico, onde vivem trasgos, duendes, gnomos, bruxas e zangões. Neste Reino, onde se ouve a voz do silêncio, até as pedras falam!
Envolvidos no denso nevoeiro, compreendemos as interrogações de Igraine, esposa do duque da Cornualha - Uma das seis nações celtas, situada no sul do Reino Unido - e mãe do Grande Rei Artur. Sob a neblina, como é que ela, ou outrém, alguma vez poderia saber quando é que o dia e a noite têm a mesma duração, para poder celebrar a festa do ano novo pagão?
A capital do reino, Camelot, fica na Bretanha, mas na Capital da Batata brotam, igualmente, fontes de água cristalina, onde o mago Merlim e os Cavaleiros da Távola Redonda poderiam saciar-se sempre que subissem à montanha, para tomar a poção mágica.
Entre quem é!
Embora o Reino Maravilhoso não seja rodeado de mar, como Avalon, para o alcançar, o viajante não tem de interrogar o grande oceano magalítico porque o nume invisível lhe ordena:-Entre! A gente entra, e já está em Travancas, no Reino Maravilhoso!
Janeiro em gaélico quer dizer Eanáir, a Lua amarela da cor do feno e do hidromel. Ela representa o tempo em que os antigos pagãos preparavam os campos para o ciclo de celebrações das colheitas.
"O solstício de inverno lembra-nos que a escuridão, o frio, a noite longa e o dia breve, o fim, afinal são um recomeço e, a partir do ponto de transição, a escuridão pouco a pouco de novo cede o lugar à luz, o frio desaparece, a noite se encurta e o dia se alonga, o fim é afinal um novo princípio".
Brumas de Avalon, lugar imaginár io, de tal modo envolvid o pelas névoas, que nenhum ser humano nunca o pôde alcançar e contaminar com a sua incredul idade.
É preciso que dentro de nós tenhamos também a nossa própria Avalon, a nossa capacidade de imaginar e sonhar, e tê-la sempre protegida, arredada da falta de crença de que não podemos alcançar a nossa utopia
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