Pároco de Mairos, Travancas e Paradela de Monforte
O senhor padre Delmino Rodrigues Fontoura, a caminho de festejar 86 anos no próximo Dia de São Martinho, faleceu dia 18 deste mês, vítima de doença que terá apanhado em Espanha, país onde se encontrava em gozo de merecidas férias. Apesar da avançada idade, não se reformou, mantendo-se ativo até ao fim da sua peregrinação terrestre. Transportado de urgência para Portugal, o seu coração, com a ajuda do pacemaker que usava há anos, ainda resistiu três dias internado no hospital de Chaves.
O velório e a missa de corpo presente realizaram-se na igreja de Mairos, paróquia onde nasceu e residia. O legado da sua ação pastoral, ao longo de 62 anos, marcou as gentes destas terras da raia, ovelhas em cuja memória deixa saudade, a exemplo de outro padre de Mairos e Travancas, o sábio Abade de Baçal.
Dezenas de coroas de flores foram deixadas por paroquianos e instituições. A da paróquia de Mairos tinha a forma de coração, numa demonstração de amor a um dos seus filhos. Esse amor era correspondido pelo padre Delmino, pelo que fazia em defesa da cultura milenar da sua terra, tendo-se tornado diligente guardião do recheio material, conservado no museu etnográfico da freguesia.
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Paroquianos de Travancas, Argemil, São Cornélio e Paradela, também acorreram em grande número a Mairos, para o último adeus. Contudo, entre dezenas de coroas de flores, não encontrei a de São Cornélio. Mas deve ter sido entregue, porque se há aldeia que ganhou centralidade, essa foi São Cornélio, graças à "estrada do padre" que tirou a aldeia do isolamento.
Esta bonita coroa de flores chama a atenção por as rosas serem cor laranja. É de Cimo de Vila de Castanheira, paróquia de São João Batista, a mais antiga das Terras de Monforte de Rio Livre. Segundo a Lígia, simpática Presidente da Junta de Freguesia, eleita numa lista independente, a cor laranja das rosas é uma forma de homenagear o Padre Delmino que, além de não gostar de flores artificiais na igreja, era apreciador de flores cor de laranja.
Tal como Cimo de Vila da Castanheira, também São Vicente da Raia, Segirei, Dadim, Roriz e Sanfins, enviaram coroas de flores, para prestar sentida saudade. Comum a estas aldeias raianas, o jovem e dinâmico pároco João Miguel, um dos dois sucessores provisórios do padre Delmino em Paradela, Mairos e Travancas, por decisão do bispo da diocese de Vila Real.
A dor pela perda, porém, não afetou só paroquianos, atingiu quem com ele se relacionou, como atesta a bonita coroa do Grupo Coral de São Vicente.
Bem fizeram, precavendo-se de Covid-19, os sobrinhos do padre, ao pedirem para não haver contato físico nos cumprimentos. Dentro da igreja não se guardava distanciamento social nem se fazia uso de máscara protetora.
Na
missa do velório estavam leigos dos cursos de cristandade. Emocionados, alguns lacrimejaram quando cantaram "De Colores", hino do movimento cursilhista
internacional.
De Colores
De Colores se visten los campos en la primavera
De Colores
De Colores son los pajarillos que vienen de afuera
De Colores
De Colores es el arco iris que vemos lucir
Y por eso los grandes amores
De muchos colores
Me gustan a mi.
Após a missa fúnebre, igreja e adro apinhados de gente, seguiu-se o cortejo até ao cemitério. A Câmara Municipal de Chaves, por ausência do presidente, fez-se representar. Também marcaram presença dois ex-presidentes, Altamiro Claro e João Batista, ex-seminarista e amigo do padre Delmino.
Clérigos do Alto Tâmega nas exéquias do sacerdote e amigo. Alguma vez se viram tantos padres juntos em Mairos? Algumas freiras da Casa de Santa Marta, também subiram à montanha para o adeus ao amigo de longa data.
Cabeça da procissão a passar em frente ao lar da terceira idade.
Idosos, em cadeiras de rodas, à espera de ver passar o féretro. Momento de grande comoção quando acenaram lenços brancos à passagem do caixão, para dizer adeus ao impulsionador do lar. A instituição está sediada na antiga escola primária, doada a Mairos no século passado por Domingos Sá, emigrante no Brasil.
Além da ação pastoral, o padre Delmino dedicou a sua vida à obra social, batendo a portas difíceis de abrir, para edificação e funcionamento legal de lares em Mairos e Travancas. Ele partiu mas a obra fica para usufruto dos vivos.
Do patrimônio legado também faz parte o Boletim Paroquial, "jornal do padre" enviado aos emigrantes residentes nos EUA, Canadá, África do Sul, Brasil, França, Lisboa... levando notícias das paróquias. De quem faleceu, casou, foi batizado ou crismado. A ligação às terras de origem corre o risco de se perder se o jornal não tiver quem lhe dê continuidade.
A visita ao cemitério de comunidades rurais é útil para uma caracterização sociológica inicial. Mairos, uma das povoações mais ricas do concelho de Chaves, tem património edificado no cemitério que atesta a pujança económica e a estratificação social da freguesia.
Última morada do corpo do padre Delmino, sepulcro numa camada fina de terra assente em rocha granítica. Terá pedido para não ficar no jazigo da família Fontoura.
"Lutei pela boa causa, percorri o meu caminho e guardei a fé".
2 Tim 4, 7-9
Por quem dobra o sino?
- Marido, o padre Delmino já não vai ouvir tocar o sino. Morreu!
Foi assim que recebi a triste notícia da sua morte. Um sino oferecido à paróquia era para ter sido colocado no campanário da capela do Senhor dos Aflitos, antes da festa. Todavia, por atraso na entrega da encomenda, será instalado em data oportuna, altura em que o padre Delmino, após o repicar, se não tivesse falecido, celebraria na capela uma missa comemorativa do melhoramento acústico.
As últimas vezes em que nos cruzámos foi nas festas de São Bartolomeu e do Senhor dos
Aflitos; e na missa em memória do Felipe, presidente da Junta de Freguesia de Travancas e Roriz, falecido no mês anterior. Mesmo com dificuldade em andar, manteve-se no cumprimento da sua missão pastoral até ao fim.
Antes de ir para Espanha, pediu-me para ir a Águas Frias fazer, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude em 2023, a cobertura da chegada à paróquia, da cruz de madeira e da imagem peregrina de Nossa Senhora.
Quando me conheceu não se referia a mim pelo nome, eu era o "marido da doutora N...". Com o tempo, como valorizava títulos académicos e profissionais, passei a ser nomeado "professor". Ficámos respeitosos amigos, unidos no apego a estas terras raianas; conhecimento e valorização da sua história e cultura; na preservação da memória do Abade de Baçal e no entusiasmo pelo culto e levantamento de caminhos rurais de S.Tiago. Costumava dar-me conhecimento da realização de eventos culturais, e convidar-me para participar neles.
Batizou os meus filhos na pia batismal que agora serve de mesa para mudar fraldas e tomar uns copos, no bar da comissão de festas do Senhor dos Aflitos.
Embora me veja como católico desalinhado da ortodoxia, em relação a um ou outro dogma da fé, fiquei agradavelmente surpreendido com o convite para participar num curso de cristandade no seminário de Vila Real.
Esse retiro fez-me renascer como membro de uma irmandade em Cristo e, melhor conhecedor do pensamento pastoral de Dom Amândio, converter-me em admirador do bispo.
Após o cursilho sinto-me emocionalmente próximo dos irmãos cursilhistas, sejam da Aveleda, São Vicente, Mairos, Cimo de Vila, Travancas, Chaves... e por aí fora. O meu coração alegra-se nos reencontros. Bem-haja senhor padre.
Obrigado também, professor, pela música que nos deu com o acordeão, nos seus aniversários, passeios, festas e convívios.
Adeus, até ao Oriente Eterno, padre Delmino!